quinta-feira, 21 de março de 2013

Os planetas, os gunas, o tempo e a existência material


Este tema - as relações entre os planetas, gunas, o tempo e nossa existência pela ótica dos Vedas e da astrologia védica - é filosófico, profundo e complexo. Para entendê-lo é necessária uma mudança de paradigma, apoiada pelo suporte de uma tradição fidedigna, onde o guru (professor e/ou mestre espiritual) tem um papel fundamental na transmissão do conhecimento. Portanto, trago algumas considerações sobre o assunto, buscando sempre o embasamento escritural e do parampara (tradição), para dar ao leitor uma ideia do que se trata o horóscopo, ou mapa astral e, em última análise, a relação entre entidade viva e energia material.


A entidade viva, ou jiva, sob contaminação material, encontra-se condicionada. Srila Prabhupada, um grande e autêntico mestre de uma tradição espiritual antiga, o Gaudiya vaishnavismo,  explica na introdução de seus comentários ao Bhagavad Gita: “A consciência falsa manifesta-se naquele que se julga um produto da natureza material. Isto é chamado falso ego”. Ou seja, aquelas pessoas (praticamente todos nós no mundo Ocidental) que entendem-se como um produto de interações físico-químicas entre elementos materiais não estão conseguindo compreender o seu verdadeiro eu, e sua verdadeira posição. Este eu, eterno, está em uma eterna relação com o Supremo; entretanto, encontra-se “desconectado” por sua falsa compreensão corpórea de vida atual. Yoga significa união, e a união de que trata o Bhagavad Gita é aquela entre a entidade viva e a Pessoa Suprema, fonte de toda existência, conhecimento e prazer, que possui vários nomes. Em nossa tradição em particular, um de Seus Nomes é Krsna, o todo-atrativo.


A história de como surge o universo pela visão dos vedas é intrincada e complexa. Não faz parte do escopo do presente texto, e será melhor explicada em um artigo posterior. No momento, basta que o leitor entenda o seguinte: nós não somos este corpo material. Nós somos a consciência - que pode encontrar-se manifesta ou imanifesta, mais lúcida ou menos lúcida, dependendo de condições biológicas específicas (dadas pelos gunas, como veremos adiante) - e transmigramos de corpo em corpo, enquanto perdurar o conceito ignorante (o falso ego) de que somos produtos dessa energia material. Assim como a energia material é eternamente temporária, a identificação com ela também o é (pelo menos até o momento em que a entidade viva livra-se do enredamento material, através dos processos de yoga descritos no Bhagavad Gita e em outras escrituras). A ilusão desenvolve-se e vai adiante: além de acharmo-nos o corpo, também acreditamos sermos os donos dos frutos de nossas ações. Assim, nos encontramos com o elemento fundamental do enredamento material - o karma, ou ação.


Como foi dito anteriormente, a entidade viva é eterna, e está eternamente condicionada. Logo, eternamente ela pratica ações, aguardando sempre o seus resultado. Se forem boas ações, ela receberá bons resultados; se forem más, ela receberá resultados ruins; ações mistas trarão resultados mistos. O meio pelo qual esses resultados se manifestam é explicado pelo  sábio Parashara em seu Brhat Parashara Hora Sastra:

Existem muitas encarnações do Supremo Espírito não-nascido,
O responsável pela emancipação das entidades vivas, Vishnu, expande-se em nove grahas (planetas) para dar aos seres vivos os resultados de seu karma (ações);

Os planetas, na astrologia védica, são chamados de grahas. Como avatares de Vishnu, eles são os controladores do karma: nessa vida, recebemos os frutos - bons ou ruins - de acordo com nossas ações passadas, no devido tempo. Um dos significados da palavra graha é eclipse. Logo, os planetas no mapa astral mostram as influências que fazem com que a alma espiritual seja condicionada - eclipsada de sua posição original de pleno conhecimento.

Os planetas são nove, e estão relacionados com os elementos e gunas da natureza material. Os luminares (que contém luz), Sol e Lua, representam a alma e a mente, respectivamente. Marte rege o fogo, Mercúrio, a terra, Júpiter, o ether (vazio que une tudo), Vênus, a água e Saturno o ar. Esses elementos combinados formam a energia material, que é experimentada pelas entidades vivas através dos sentidos, que conectam a realidade material - dual - à mente. Os planetas também associam-se com os gunas, que são explicados por Krishna da seguinte maneira:

Bhagavad Gita, 14.5:

sattvaṁ rajas tama iti
guṇāḥ prakṛti-sambhavāḥ
nibadhnanti mahā-bāho
dehe dehinam avyayam


“A natureza material consiste em três modos — bondade, paixão e ignorância. Ao entrar em contato com a natureza, ó Arjuna de braços poderosos, a entidade viva eterna é condicionada por esses modos.”

Os gunas são os elementos constituintes da energia material. Eles têm uma relação muito próxima com o tempo, pois é através de seu controle que os gunas manifestam a realidade material. Os gunas são três: rajas, sattva e tamas. Rajas, traduzido como paixão, é o modo da natureza responsável pela criação; sattva, o modo da bondade, é o responsável pela sustenção; e tamas, o modo da ignorância, é o responsável pela destruição.  Eles se aplicam a todas às camadas da realidade material. Por exemplo, em relação à consciência, tamas guna representa a pessoa que se encontra em completa ignorância - pode estar em coma vegetativo, alucinando devido à utilização de psicotrópicos, ou simplesmente ausência de qualquer conhecimento, preguiça, sono etc. Rajas guna predominante na consciência indica vários desejos, o sentimento de orgulho, individualismo, arrogância, luxúria e, principalmente,  reforço da ação com desejo fruitivo, garantindo à prisão eterna de nascimentos e mortes. Sattva guna indica uma pessoa satisfeita, feliz e em conhecimento, sem ansiedades e preparada para a emancipação material.

O trio responsável pela vida são os planetas que são infundidos de Sattva Guna, a saber: Sol, Lua e Júpiter. Destes, Júpiter é puro Sattva, e representa o Mestre Espiritual, bem como o Mestre Espiritual Supremo, não contaminado pela energia material. O Sol, que representa a alma no mapa astral, é a constância de Sattva, pois seu movimento é sempre regular, sem alterações. A Lua, que representa a mente, em seu estado exaltado é plena de Sattva, altamente nutritivo - o Soma. Marte, Saturno e os Nodos Sul e Norte são os planetas responsáveis pelo tamo guna, enquanto que Vênus e Mercúrio são rajo guna. Marte quebra, despedaça e perfura; Saturno, adoece, atrasa e envelhece; Os Nodos provocam confusão e obstáculos respectivamente; Vênus é o rajas guna associado à procriação e a criação de entidades vivas, enquanto que Mercúrio é o raja guna associado à criação de matéria - dinheiro e trocas materiais.

Dessa maneira, os planetas criam a realidade material através de seus significados (karakas), e as almas são condicionadas a crer nessa realidade temporariamente manifesta como a única possibilidade de existência. Entretanto, existe uma realidade que está além desta criação, e um dos objetivos do Jyotish, ou Astrologia Védica, é lançar luz sobre a sombra criada pelos gunas na mente, de maneira a aliviar as almas condicionadas do pesado fardo do Karma, auxiliando no caminho pela auto-realização. Isso é feito através de remédios astrológicos específicos para cada pessoa: mantras, yantras, pedras preciosas, pujas - remédios esses que serão tema de outro artigo. Haribol